Indígenas relatam suas vivências no curso de Formação em Saúde Indígena

6/09/2023

A equipe da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), no 2° encontro do Curso de Formação Intercultural com foco na Saúde Indígena promovido pela Agência, ouviu o relato de indígenas que atuam na área da Saúde sobre suas experiências como indígenas universitários e como profissionais, além de suas vivências pessoais na convivência com os não indígenas.

A mesa de abertura foi composta pelo assessor técnico da Secretaria de Saúde Ingígena do Ministério da Saúde, Lucas Ferreira Caxangá Rodrigues, que é biomédico, mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical pela Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB); a interna de Medicina da UnB, Ashley Pankararu, que participou da criação e implementação do ambulatório de Saúde Indígena do Hospital Universitário de Brasília (HUB); o assessor do Departamento de Atenção Primária em Saúde Indígena da SESAI do Ministério da Saúde, o indígena do Povo Huni-Kui Vanderson Brito, graduado em Ciências Biológicas, doutorando em Neurociência na Universidad Nacional de Rosário, e pesquisador convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; o especialista em Saúde Pública Edemilson Canale, da etnia Terena, graduado em Terapia Ocupacional, ex-presidente dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e ex-coordenador do DSEI Mato Grosso do Sul; o presidente dos Sindicato dos Trabalhadores e Profissionais de Saúde Indígena (Sindicopsi), Alisson Ribeiro, do Povo Baré; e pelo chefe do Núcleo de Articulação com os DSEI da Adaps, Edson Oliveira.

Na abertura de sua palestra sobre o histórico de construção dos marcos regulatórios e da estrutura atual de Saúde Indígena brasileira, Lucas Rodrigues apresentou o texto “O Ritual do Corpo entre os Sonacirema”, do antropólogo Horace Minner, que descreve uma cultura sob o olhar de estranhamento de um estrangeiro, com o viés do olhar de sua própria cultura. O texto despertou a sensibilidade da plateia para a necessidade de não julgar com nossos próprios códigos uma outra cultura, com seus costumes peculiares. A intenção do texto aparentemente seria ironizar a posição etnocêntrica perante a cultura alheia, desconsiderando os significados dos costumes para a própria comunidade que faz parte dela, deixando transparecer um certo menosprezo pelas práticas do Outro. Ao final, Rodrigues revelou que “Sonacirema” é “Americanos” escrito ao contrário.

Ashley relatou o sentimento de “não pertencimento” despertado nela quando começou seu percurso como estudante de medicina na UnB: ao mesmo tempo que tentava se afastar de seu próprio povo, se “embranquecer”, se via julgada pelo corpo acadêmico. “Me vi perdida. Precisei voltar por um tempo para a minha comunidade, me reconectar com a minha ancestralidade. E voltei mais forte, mais potente”, contou.

“A gente vai passando por um processo de recuperação da nossa aliança com a nossa identidade. Somos testados todos os dias por gente que tenta nos invalidar ou invalidar o que a gente diz”, acrescentou Vanderson Brito.

Os participantes da mesa destacaram os problemas de saúde mental que são desencadeados por estas questões nos indígenas ao se inserirem no contexto urbano e nas instituições, longe de suas comunidades, e suas consequências: depressão, abuso de álcool e drogas, suicídios.

A vulnerabilidade dos profissionais de saúde que trabalham nas comunidades indígenas foi tema da fala de Alisson Ribeiro. “A gente cuida dos indígenas, mas quem cuida da gente?”, questionou. Ele relatou os problemas de saúde, as sequelas, e os perigos aos quais esteve exposto na selva, como se deparar com animais selvagens. “Precisamos de um adicional de insalubridade”, afirmou.

Ao final, Edemilson Canale fez um emocionante desfecho, conclamando a todos para trabalharmos juntos, de forma fraterna.

O curso visa fomentar discussões para formação dos profissionais da AgSUS e do Ministério da Saúde para a interculturalidade e a compreensão das especificidades do contexto indígenas tanto relacionadas às práticas das Medicinas Indígenas quanto no exercício dos conhecimentos acadêmicos pelos profissionais de saúde.