Estratégias do PMpB são consideradas eficazes no enfrentamento da falta de médicos de família e comunidade – um problema mundial

22/09/2023

Vínculo com os pacientes. Vínculo de trabalho. “Vínculo” foi o tema central no segundo dia do 17o Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. Tanto nos bate-papos com os médicos bolsistas e tutores no estande do Programa Médicos pelo Brasil e Mais Médicos, quanto na mesa-redonda “Fixação e vínculo empregatício na Medicina de Família e comunidade”, realizada no final da tarde de quinta (21), as estratégias de construção de vínculos estiveram nos holofotes.

A mesa-redonda foi composta pela diretora-administrativa interina da Adaps/AgSUS, Aliadne Sousa; o diretor de Exercício Profissional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Paulo Fontão; o presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo em Portugal, Luís Pisco; e o secretário-adjunto de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço.

Motivos e soluções para a crise de investimentos em recursos humanos e financeiros na Atenção Primária à Saúde e a consequente escassez de formação de médicos de saúde e comunidade foram abordados pelos palestrantes. As estratégias do PMpB foram citadas como boas soluções para o problema.

Fontão destacou a precarização dos vínculos trabalhistas no Brasil, citando a “PJtização” das contratações, ou seja, vínculos sem estabilidade, sem benefícios e muita demanda de trabalho, principalmente nos municípios.

Este é um problema não só do Brasil. No cenário internacional, e mais especificamente o de Portugal, a redução da força de trabalho nos serviços de Saúde e a dificuldade de formação e fixação de médicos de Família e Comunidade foi apresentada por Pisco, que mostrou que a crise na área médica em geral, e especialmente na Atenção Primária à Saúde, é comum do lado de lá e de cá do Atlântico. Tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) realizou uma conferência sobre a falta de profissionais de saúde. Em 2022, durante as deliberações do Plano de Ação “Working for Health” 2022-2030, na 75ª Assembleia Mundial da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) divulgou um déficit de 600 mil profissionais de saúde nas Américas, o que afeta o acesso à atenção, especialmente para quem vive em áreas rurais e mal atendidas da região. A OPAS citou a migração de profissionais de saúde para centros urbanos ou países mais ricos – exacerbando a lacuna; falta de planejamento entre os setores de educação e trabalho; e ênfase insuficiente na educação continuada e interprofissisonal. Na ocasião, a OPAS afirmou que pretende trabalhar com os estados-membros, parceiros e a Organização Mundial da Saúde (OMS) no desenvolvimento de “uma agenda transformadora de recursos humanos para a saúde nas Américas”.

O especialista em MFC português destacou alguns fatores que têm levado à escassez de profissionais desta área na assistência à população em todo o mundo:

  • Baixos salários e instabilidade profissional entre os médicos de família e comunidade.
  • Ênfase insuficiente na educação continuada e interprofissional.
  • Morte de profissionais durante a pandemia: um estudo da OMS estimou que cerca de 115 mil profissionais de saúde morreram entre janeiro de 2020 e maio de 2021 em todo o mundo em razão da COVID-19.
  • Evasão de profissionais dos serviços de saúde a partir da pandemia de Covid19. O fenômeno foi batizado de “A Grande Demissão”: só nos Estados Unidos, mais de 47 milhões de trabalhadores se demitiram do emprego. Naquele país a taxa de demissão atingiu o pico em 20 anos. Hoje, um em cada cinco funcionários no mundo todo planejam se demitir nos próximos 12 meses de acordo com a PwC.O setor de Saúde foi o segundo com a maior taxa de demissão, de acordo com a Harvard Business Reviews. As demissões nesse setor tendem a ser motivadas pelos desafios, e não pelas oportunidades. Os trabalhadores da linha de frente compõem 80% da força de trabalho global e são mais propensos a ter sofrido aumento de carga de trabalho e esgotamento, potencialmente arriscando a vida por um salário.
  • Aposentadoria: mil médicos podem se aposentar este ano em Portugal.
  • Êxodo de profissionais de saúde para o exterior.
  • Problemas de saúde mental entre os médicos, tais como burnout provocam ausências no trabalho.Este foi um alerta feito pelo governo do Canadá.

Pisco mencionou que, em Madrid, na Espanha, houve greves pedindo melhor estrutura e mais médicos na Atenção Primária à Saúde. Em sua exposição, o especialista português apresentou o Programa Europeu de Trabalho (EPW) 2020-2025, documento da OMS que, a partir das lições aprendidas com a pandemia, posiciona a atenção primária à saúde no centro de três prioridades principais: caminhar para a Cobertura Universal de Saúde, proteger as pessoas contra emergências de saúde e garantir uma vida saudável e bem estar para todos, em todas as idades.

Para atingir estas três prioridades, o trabalho da OMS Europa aponta 4 estratégias necessárias: alianças para a Saúde Mental no sentido de elimintar o estigma e a discriminação, inclusive entre os profissionais de saúde; o investimento na Saúde Digital; uma agenda de vacinação; e o estímulo a comportamentos saudáveis.

Pisco elogiou o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro e afirmou: “acho que o Brasil está em um bom caminho”. Para ele, a pergunta que não quer calar é: “como envolver as pessoas?”. E alertou: “é tempo de agir. Se não agirmos agora, será tarde demais”. A principal solução citada por ele para a atração e fixação de médicos de saúde da família é o investimento numa carreira médica – algo que o Brasil está fazendo por meio do Programa Médicos pelo Brasil, da Adaps/AgSUS.

Proenço enfatizou a necessidade da atualização dos cursos de Medicina e formação médica, que não incorporam em seu currículo as práticas e recursos mais modernos em APS inclusive já adotados pelo SUS.

Em sua apresentação, Aliadne apresentou detalhadamente o funcionamento do PMpB e enfatizou que a atuação da Adaps/AgSUS começa na seleção do profissional com perfil para se fixar. Recentemente, a Agência fez uma pesquisa para averiguar não só o nível de satisfação dos médicos do Programa com a gestão do mesmo, mas também apurar o perfil destes médicos. O monitoramento de dados da Agência constatou que os principais motivos de deslocamento e desistência dos médicos do Programa são: aprovação em uma residência depois de já terem ingressado no PMpB; oportunidade melhor de emprego, falta de infraestrutura adequada e de segurança na localidade onde foi alocado. Segundo ela, a prioridade desta gestão interina da Agência é priorizar os perfis de maior probabilidade de fixação e aperfeiçoar os mecanismos de gestão e execução para enxergar melhor os vínculos pessoais que os profissionais têm nos seus territórios.