Equipe da Adaps inicia curso de formação intercultural com foco na Saúde Indígena

29/08/2023

“Nada sobre nós, sem nós.” Esta foi a mensagem-chave que marcou o primeiro de cinco encontros do curso de Formação Intercultural com foco na Saúde Indígena que a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) está promovendo à sua equipe interna de trabalhadores e aos trabalhadores do Ministério da Saúde. Trata-se de uma preparação para a Agência assumir um novo desafio em seu processo de transição para a Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AGSUS), que vai incorporar em seu escopo de atuação a possibilidade do apoio à Saúde Indígena nos diversos níveis de atenção.

No seminário realizado nesta segunda-feira (28) com o tema “Saúde Indígena desde sua concepção: ranços e avanços do contexto histórico”, que reuniu um público de 76 pessoas, a Agência trouxe representantes indígenas para uma construção conjunta de saberes, para que exponham como querem ser atendidos em suas necessidades de saúde. “Para falar, trabalhar ou pensar sobre nós, precisa ouvir a gente. É importante valorizarem o nosso saber tradicional, mas também precisamos de especialistas porque hoje temos patologias avançadas dentro da aldeia”, ressaltou Wallace Apurinã, da etnia Apurinã, do Amazonas, vice-presidente do Fórum dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, um dos componentes da mesa de abertura do evento.

Lucinha Tremembé, da etnia Tremembé, do Ceará, coordenadora-geral de Participação e Controle Social da Saúde Indígena, que também compôs a mesa de abertura, elogiou o movimento da Adaps de chamar os indígenas para uma construção conjunta. “Não participamos da construção do subsistema de saúde feito para nós lá atrás no SUS. Nunca deram ouvido às nossas falas. Agora estamos tendo a oportunidade de participar desta mesa falando por nós. Queremos dizer do que necessitamos e onde necessitamos. Temos várias ideias. O resultado é muito positivo quando trazem a gente para a construção conjunta”, disse.

Além dos representantes indígenas, a mesa de abertura foi composta pelos diretores interinos da Adaps – Vera Araújo, André Longo e Aliadne Sousa –, e por secretários e gestores do Ministério da Saúde – o secretário substituto de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Felipe Proenço; a secretária substituta de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) , Laise de Andrade; o coordenador-geral de Gestão das Ações de Atenção à Saúde Indígena (SESAI), Antônio da Silva. A aula foi ministrada pelo chefe do Núcleo de Articulação com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), Edson Oliveira.

“Na condição de negra, tenho uma historicidade que se junta às pautas reivindicatórias indígenas, o que vai além de uma luta por território. Desde que os colonizadores chegaram aqui, fomos agredidos na nossa dignidade e humanidade, não só em nossa territorialidade”, afirmou a diretora-presidenta interina da Adaps, Vera Araújo. Proenço reforçou a importância da reflexão e trabalho conjuntos entre Adaps, SAPS, SGETS, SESAI. Laíse destacou os programas e políticas da SGESTS voltadas para equidade e valorização das etnias, e ressaltou: “Temos uma dívida histórica, secular com estes povos. Eu acho que esse curso é um dos passos importantes para a gente responder a essas necessidades”. O diretor-técnico interino, André Longo, lembrou que o Programa Médicos pelo Brasil tem 48 médicos em territórios indígenas, e ressaltou a importância de compreender como se dá o processo de trabalho com os indígenas desde os seus primórdios. “Estamos aqui para falar sobre o futuro, ampliar nossos conhecimentos, debater como a Agência pode contribuir com a comunidade indígena e construir uma agenda conjunta”, afirmou a diretora-administrativa da Adaps, Aliadne Sousa. Antônio ressaltou que a SESAI estava ali para somar com a Adaps.

Em sua exposição, Edson Oliveira ressaltou a importância de os médicos e dos trabalhadores que atuam nos DSEI se integrarem ao sistema tradicional de saúde indígena, respeitarem suas crenças, dialogarem com os indígenas a partir de seus códigos, seja para negociarem a adesão a um tratamento ou para o uso racional de um medicamento. O sistema tradicional de saúde indígena precisa ser encorajado e fortalecido, mesmo em contextos de atuação que contam com profissionais acadêmicos. Ao longo de sua aula, Edson trouxe relatos de experiências e estudos de casos que viveu na convivência com as comunidades indígenas, regras de comportamento que devem ser seguidas no relacionamento com eles. Esclareceu conceitos como interculturalidade, a diferença entre raça e etnia, a concepção de bem-viver para esta população. Mostrou o cenário múltiplo e diverso de etnias, línguas e culturas indígenas no Brasil. Fez um apanhado histórico sobre a criação de serviços de assistência à saúde indígena desde a década de 50. E apresentou como funciona a estrutura das instituições de saúde voltadas à comunidade indígena.

Na plateia, um representante indígena presente, Vanderson Huni Kui, assessor da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, prestou um depoimento que foi uma aula à parte sobre a diferença de visão de mundo entre a comunidade indígena e a cultura ocidental do homem branco no que diz respeito à valorização da coletividade, do senso de pertencimento. Ao relatar como se deu o processo de escolha de sua formação acadêmica, disse: “Na comunidade indígena, nossa formação é escolhida pelas demandas da comunidade. Então, primeiro fui demandado para me formar em biologia, o que fiz. Depois, em neurociência. Não fiz pelo diploma. A gente trabalha pelo outro, pelo coletivo”, explicou.